quarta-feira, 5 de maio de 2010

O fardo da sede (Parte IV)



Os habitantes das aldeias do Konso, por exemplo, possuem e controlam as bombas. Comitês eleitos estabelecem as tarifas que cobrem a manutenção. Ninguém procura recuperar custos de instalação ou gerar lucro. As pessoas contam que, depois de poucas semanas, elas se deram conta de que 1 centavo por galão é de fato barato, bem menos do que custavam as horas gastas carregando água, sem contar o dinheiro, o tempo e as mortes causadas pelas doenças.

O quanto a vida de Aylito Binayo poderia ser diferente se ela nunca mais precisasse descer até o rio para pegar água? No fundo de uma ravina, longe de Foro, existe um poço. Tem 120 metros de profundidade. Durante minha visita não encontro muito o que ver ali: acima do chão, é só uma caixa de concreto com um galão de cabeça para baixo em cima dele à guisa de proteção, defendido dos animais por uma pirâmide de amoreiras silvestres. Mas eis o que está para acontecer: uma bomba vai mandar água montanha acima até um reservatório. Dali a gravidade se encarregará de enviá-la de volta para baixo até as torneiras das aldeias locais - Foro inclusive. A aldeia vai dispor de duas torneiras comunitárias e de uma casa de banhos. Se tudo correr bem, Aylito Binayo terá uma torneira com água boa a somente três minutos a pé da porta de casa.

Quando peço a Aylito que imagine como será mais fácil sua vida, ela fecha os olhos e enumera uma lista de tarefas. Ir à roça ajudar o marido, cortar capim para as cabras, preparar a comida para a família, limpar o terreno comunal. Além de ficar com seus filhos, em vez de deixar um garotinho de 4 anos de idade encarregado de seus irmãos mais novos. "Não sei se devo acreditar que vai funcionar. Estamos no topo de uma montanha, e a água está lá embaixo", diz ela. "Mas, se funcionar, ficarei tão feliz, mas tão feliz..."

Pergunto sobre as esperanças que Aylito alimenta sobre sua família, e a reposta que ela me dá é tocante pela modéstia: poder enfrentar a onda de fome e doenças provocada pela seca atual - ou seja, tocar em frente a vidinha esquálida que sempre conheceu. Ela não tem ilusões. Ela nunca ousou imaginar que um dia sua vida pudesse mudar para melhor. Que pudesse chegar uma torneira de metal da qual jorrasse dignidade.

National Geographic
Edição - 121
O fardo da sede

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