terça-feira, 20 de julho de 2010

O lixo dos pobres e dos ricos

Mais da metade da produção mundial de lixo urbano pertence aos cidadãos dos países desenvolvidos. A cada ano, 2,5 bilhões de fraldas são descartadas pelos britânicos, 30 milhões de câmeras fotográficas descartáveis vão para os lixos japoneses e 183 milhões de lâminas de barbear, 350 milhões de latas de spray e 2,7 bilhões de pilhas e baterias são destinadas aos lixões norte-americanos. Até as indústrias da fatia mais rica do planeta são campeãs na geração de rejeitos. Estima-se que para cada cem quilos de produtos manufaturados nos Estados Unidos, são criados 3.200 quilos de lixo. Os países ricos são melhores produtores de lixo do que propriamente de bens de consumo. A quantidade de lixo produzida está diretamente ssociada ao grau de desenvolvimento econômico de um país. Quanto mais abastada, mais lixo a nação produz. Não é por acaso que o país mais rico do mundo, os Estados Unidos, lidera o ranking dos maiores geradores de lixo per-capita do mundo, ostentando a média de quase meia tonelada de rejeitos por habitante a cada ano.

Além da quantidade, a qualidade do lixo também pode identificar o grau de riqueza de seu produtor. O papel descartado, por exemplo, poderia ser um fiel indicador de desenvolvimento econômico de uma nação. Nos países de baixa renda o papel responde por apenas 2% do lixo; nos de renda média, o percentual sobe para 14%; e nas nações ricas, os derivados da celulose chegam a impressionantes 31%, quase um terço da montanha de lixo. Com os restos orgânicos de origem vegetal, ocorre o oposto. Na parte mais favorecida do planeta, esse lixo equivale a 25% do total; nas regiões de riqueza intermediária ele fica em 47% e onde há mais pobreza esse descarte chega a ser 52% dos rejeitos.

O lixo é fonte de renda direta para mais de meio milhão de brasileiros que atuam como catadores. Os catadores são colocados na chamada "inclusão social perversa", uma maneira de mascarar a exclusão social de que eles são vítimas. Isso acontece porque muitos associam a exclusão social ao desemprego. O catador de lixo, no entanto, trabalha sem ter um emprego e assim é visto como alguém inserido na sociedade, quando, na verdade, ele pertence a uma categoria que está bem longe de gozar dos direitos e até dos tratamentos dispensados aos demais trabalhadores. As idéias negativas relacionadas ao lixo como algo sujo, inútil e digno de descarte são estendidas também aos catadores para os olhos de boa parte da sociedade, o que alimenta os preconceitos.

Podemos resumir em uma frase as relações que as sociedades mantêm com os catadores de lixo: "A sociologia do lixo é simples, o rico produz e o pobre trabalha com ele. O rico que o gera é considerado 'limpo', e o pobre que o recolhe é considerado 'sujo'". Essa lógica discriminatória e preconceituosa foi confirmada por uma pesquisa brasileira realizada na Universidade Federal de Alagoas. Ao entrevistar os catadores de lixo, os pesquisadores coletaram o seguinte depoimento de uma catadora: "Quando a gente diz que é catador de lixo, muita gente acha que a gente é sujo... até se a gente pedir um copo d'água, e receber um caneco, quando a gente devolve a pessoa joga no mato. Já aconteceu isso comigo."

Além de provocar esse estigma social, a reciclagem de lixo, da maneira como tem sido trabalhada, é considerada por alguns especialistas como mais um obstáculo ao desenvolvimento ambientalmente responsável da sociedade. A mensagem que se ouve é a de que com a reciclagem o problema do lixo está resolvido, enquanto não há nenhum esforço para tentar reduzir a própria produção do lixo, que é a origem do problema. Além disso, muitas vezes não são considerados os custos ecológicos da reciclagem como os gastos com água e energia demandados no processo e que podem acabar gerando um ônus ambiental maior do que se o material fosse enterrado num aterro.
 
E apesar de a reciclagem ajudar economicamente muita gente e reduzir consideravelmente o volume dos aterros, no Brasil ela tem desprezado a parte do lixo que mais causa impacto ambiental, a orgânica. É o lixo orgânico que polui o solo, contamina cisternas e lençóis freáticos. Como a quantidade de material orgânico é maior nas classes menos favorecidas, o Brasil possui um grande volume desse tipo de lixo sendo descartado sem nenhum tratamento.

Com um índice nacional de 20% de reciclagem, o Brasil perde por ano o montante de US$ 10 bilhões por não recuperar todo o seu lixo. Pelo andar da carruagem, os aterros ficarão cada vez mais caros a ponto de se tornarem inviáveis a qualquer prefeitura. Uma prefeitura de uma cidade de 200 mil habitantes gasta, em média, R$ 8 milhões por ano com o transporte de lixo. Se ela reciclasse todos os resíduos sólidos, além de economizar os R$ 8 milhões, ainda ganharia R$ 15 milhões reciclando, inclusive o lixo orgânico, com a vantagem de que um centro de reciclagem tem uma área sete mil vezes menor que a de um aterro sanitário. O problema é que a reciclagem não agrada a todos os setores da economia.

Há grandes corporações com interesses econômicos diretamente relacionados ao aumento da produção do lixo. Basta lembrar que a maioria das companhias de limpeza pública terceirizadas cobram por tonelada de lixo coletada. Além disso, aterros sanitários controlados têm atraído investidores internacionais ao Brasil, de olho no mercado internacional de créditos de carbono.

Também há os fabricantes de embalagens que não se interessam, por motivosóbvios, em criar produtos retornáveis. Para todos esses ramos da economia, diminuir a quantidade de lixo representa ganhar menos dinheiro.

Interesses poderosos não deixaram e não deixam que o Brasil tenha até hoje uma política nacional de tratamento de resíduos sólidos. São necessárias mudanças educacionais e culturais em todos os níveis a fim de que o Brasil evolua nessa questão. Para que o capitalismo moderno não seja soterrado pelo seu próprio lixo, são recomendadas as seguintes diretrizes básicas: primeiro, consumir menos e racionalmente; segundo devemos reduzir a produção de resíduos; terceiro, reciclar e reutilizar o lixo que for produzido e, por fim, tratar o que não puder ser reaproveitado.

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